sexta-feira, 17 de abril de 2009

ATENDER O INTERESSE PÚBLICO NÃO É CRIME

O Secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Francisco Mallmann concedeu ao jornal Ugeirm(1) entrevista(2) em que classifica como crime de usurpação de função pública, prevaricação e falsidade ideológica por parte de Agentes e Escrivães da Polícia Civil que, na falta de Delegados, realizam flagrantes, colhem depoimentos e fazem até relatórios de inquéritos policiais.

Com essa afirmação, passaremos a analisar artigos de lei e posições doutrinárias acerca da matéria. Não tendo por objetivo esgotar a matéria, mas apenas dirimir algumas dúvidas. O art. 328 do CPB traz em seu preceito primário que usurpar o exercício de função pública é crime praticado pelo particular contra administração em geral.

Guilherme de Souza Nucci, analisando o núcleo do tipo alega que “usurpar”, significa alcançar sem direito ou com fraude. Busca-se com isso a proteção da função pública. Diz ainda que se trata de crime comum e que pode ser praticado por funcionário público quando atua completamente fora de suas atribuições. Para a configuração desse crime deve haver dolo do autor, ou seja, o desejo de tomar conta do que não é seu de direito e que deve ficar caracterizado o efetivo prejuízo para a administração, o que não ocorre no caso sob exame. Se o problema é falta de servidores para prestação correta do serviço público (segurança pública), não há que se falar em crime de usurpação da função pública, quando o procedimento for elaborado por outro policial, não-delegado, no exercício da função. Ao administrado interessa a prestação do serviço público e não quem vai tomar as providências: se um Agente, um Delegado ou Escrivão.
No que se refere ao crime de falsidade ideológica, o art. 299 do CPB o descreve como: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.” Isso também não ocorre, uma vez que os dados colocados não são falsos e, se forem quem deve responder é o cidadão-declarante que os prestam a polícia, podendo, dependendo do caso, responder por denunciação caluniosa. O mesmo se pode dizer em relação ao crime de prevaricação, previsto no art. 319 do CPB que estabelece: “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra expressa disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Se não ficar caracterizado o elemento subjetivo específico do tipo (interesse ou sentimento pessoal), não se pode falar neste tipo penal. Isto também não pode ser levantado quando o problema é a falta de servidores para atender o público.

Pois bem, pelo que foi acima exposto, podemos observar que nem o Agente, nem Delegado cometem os crimes acima elencados, diante das péssimas condições de trabalho que enfrentam como: falta de pessoal e de material. No caso dos policiais não-delegados, bem explica o prof. Celso Antonio Bandeira de Melo quando se refere ao funcionário de fato, esclarecendo que “em nome do princípio da aparência, da boa-fé dos administrados, da segurança jurídica e do princípio da presunção de legalidade dos atos administrativos reputam-se válidos os atos por ele praticados, se por outra razão não forem viciados”. O que ocorre no caso do investigador que pratica atos que são atribuições de Delegados, é o que a doutrina chama de “função de fato”, que Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo estabelecem que, também em virtude da “teoria da aparência” o ato é considerado válido, ou pelo menos, são considerados válidos os efeitos por ele produzidos ou dele decorrentes.
Será que o agente que procede a uma oitiva de testemunha (que será repetida na justiça) por falta de Delegado, visando atender um cidadão que foi vítima de um crime, está agindo indevidamente? Ora, nosso dever maior é com a prestação eficiente do serviço público e o inquérito policial é peça informativa, que não vincula nem o Promotor nem o juiz.

Diante desse caso concreto, podemos observar que os investigadores do Rio Grande do Sul agem buscando o interesse público, qual seja, o atendimento à população que busca providências do órgão competente, no caso, a polícia. Se agem de boa fé, o ato é válido e gerará efeitos para que possa servir de base para a correta aplicação da lei penal na esfera judicial.


1-União Gaúcha dos Escrivães, Inspetores, Investigadores, Rádio-telegrafistas e Mecânicos policiais do Estado do Rio Grande do Sul.
2-Entrevista intitulada :“Mallmann aponta usurpação de função, falsidade ideológica, prevaricação e outros crimes na Polícia Civil”, publicada no site:http://www.ugeirm.com.br/linhadefrente/janeiro_08/entrevista.htm. Pesquisado em 17/07/2008.

Cristóvão Goes

Agente de Polícia Federal-Especial
Pós-graduado em Ciências Criminais pela UNAMA
Diretor Patrimonial do SINPEF/PB.

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