quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A Polícia Federal no contexto da segurança pública brasileira


A segurança pública no Brasil, tema muito em voga nos meios de comunicação, nas rodas de amigos, nos debates políticos, e em todas as camadas sociais, é estabelecida e prevista pela Constituição Federal.

A representatividade classista dos policiais federais, através de sua entidade maior, a Federação Nacional dos Policiais Federais, sempre demonstrou em suas iniciativas buscar um caminho, dentro do ordenamento jurídico pátrio, para a real estruturação para Polícia Federal e sua carreira, onde se desenvolva uma atividade policial de vanguarda no nosso País.

Estabelece a Carta Política do Brasil que segurança pública é "dever do Estado, direito e responsabilidade de todos" (Art. 144, caput, CF88), e será exercido pelos órgãos descritos nos incisos seguintes do mesmo artigo legal.

Para as polícias civis, órgão que tem servidores policiais estaduais regidos pelo estatuto civil no âmbito estadual, determina a Constituição, ser "dirigida por delegado de polícia carreira", ou seja, oriundos da carreira policial. Impedindo que essa direção seja exercida por delegados de polícia que não fossem da carreira policial, e que podem ser alçados ao cargo de delegado de polícia, em função gratificada de livre nomeação e exoneração, os chamados vulgarmente "delegados calças-curtas".

Estabelece ainda, que estes órgãos são subordinados aos governadores dos Estados, Distrito Federal e Territórios, e que se incubem, tão somente e unicamente, exercer uma das funções da polícia de segurança, que é o exercício da função de "polícia judiciária", por meio do qual tem a finalidade da "apuração de infrações penais" (§ 4º, art. 144, CF88 c/c Art. 4º, do Decreto-Lei Nº. 3.689/41).

A "apuração de infrações penais" é competência da "autoridade policial" dentro de sua "circunscrição" e não excluirá a mesma a competência da autoridade administrativa a "quem por lei seja cometida a mesma função" (parágrafo único do Art. 4º, CPP). 

Já para as polícias militares, órgão que tem servidores policiais estaduais regidos por estatuto de natureza militar, também subordinada aos governadores dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, a Constituição reservou o papel da outra função de polícia de segurança, a função de "polícia ostensiva" e a preservação da ordem pública (§ 5º, art. 144, CF88), ou seja, as funções de polícia administrativa, preventiva, de prevenção.

Neste mesmo diapasão, o legislador constituinte estabeleceu para as polícias rodoviária e ferroviária federais, ambas com servidores policiais regidos por estatuto civil, o Regime Jurídico Único (RJU), as funções de polícia administrativa destinada "ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais e das ferrovias federais" (§§ 2º e 3º, do art. 144, CF/88), respectivamente. Ou seja, apenas e unicamente a função preventiva de polícia administrativa, de patrulhamento de rodovias federais e ferrovias federais.

Em relação à Polícia Federal brasileira, órgão estruturado em uma única carreira de servidores policiais federais civis, portanto regidos pelo RJU, a Constituição Federal, especificamente, estabeleceu e detalhou sua destinação nos incisos de I a IV, do § 1º, do art. 144 daquele diploma maior.

O legislador constituinte originário estabeleceu para a Polícia Federal uma característica individualizada de polícia para o Brasil, adotando uma lógica diferente à do âmbito estadual, quando constituiu a Polícia Civil (com única função de polícia judiciária) e a Polícia Militar (com função única de polícia administrativa), uma para cada função da polícia de segurança, optando no âmbito federal por reunir as duas funções de polícia de segurança no mesmo órgão. Ou seja, adotou o ciclo completo de polícia no âmbito federal. Em outras palavras, fechou em um só órgão o ciclo das funções da polícia de segurança.
Excetuou, na esfera federal, o patrulhamento ostensivo de rodovias e ferrovias federais, remetendo estas funções de polícia administrativa a órgãos específicos (§§ 2º e 3º, art. 144, CF88).

Percebamos que, dentre as atribuições da Polícia Federal, há elementos diferenciados de todos os demais órgãos relacionados no caput do Art. 144, da Carta.

Mesclando-se no mesmo órgão as duas funções de polícia de segurança, ora com "função de polícia judiciária da União", com a finalidade da "apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei" (incisos I e IV, § 1º, art. 144, CF 88 c/c Art. 4º, do Decreto-Lei Nº. 3.689/41), grifamos, ora como polícia administrativa na prevenção do "tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho", e no exercício das "funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras" (incisos II e III, art. 144, da CF88).

Ou seja, em funções de policiamento de prevenção nas áreas e matérias de suas competências, estabeleceu que a Polícia Federal tem o dever constitucional de se estruturar, diferente de todas as demais polícias brasileiras, para exercer na plenitude suas atribuições de polícia administrativa na prevenção e repressão ao tráfico ilícito de drogas e ao contrabando e descaminho, bem como ao policiamento de fronteiras, marítimo e aeroportuário.

Note-se que tal característica não é uma novidade. A própria Constituição Federal de 1967, alterada pela EC nº. 01/67, em seu art. 8º, inciso VIII, alíneas "a", "b" e "c", previa a organização e manutenção pela União da Polícia Federal. Saliente-se que era o único órgão policial previsto na Constituição anterior, dispondo sobre a finalidade da mesma de exercer as duas funções de polícia de segurança, ora como polícia administrativa de prevenção, no policiamento marítimo, aéreo e de fronteiras e de prevenção ao tráfico de entorpecentes e drogas afins, ora como polícia judiciária com a finalidade de apurar infrações penais.
 
A partir destas ligeiras impressões constitucionais, do sentimento de abandono, da negação sistemática de representantes de um dos cargos da carreira policial federal, que dominou e se intitulou "dirigente" da Polícia Federal, e que é representada pelos ocupantes do cargo de delegado de Polícia Federal (que na sua origem eram inspetores de polícia, denominação mais apropriada para o modelo de Polícia Federal escolhido pelo constituinte originário de outrora e atual) em não tratar a PF como polícia que tem funções de polícia administrativa e judiciária ao mesmo tempo, é que os ocupantes dos demais cargos começaram a ter em mente uma estruturação da Polícia Federal nos moldes previsto na Constituição.

Entendamos, ainda, que essa interpretação deturpada que a Polícia Federal é apenas a polícia judiciária da União e, que nesse sentido, é correlata às polícias civis e que "as duas corporações compartilham da mesma origem", como afirma a Associação de Delegados de Polícia Federal, em matéria em seu site oficial (clique aqui para ler a matéria), é puro "jogo de cena" querendo reforçar a idéia e a percepção de que a Polícia Federal é um "espelho" da Polícia Civil do Distrito Federal, de âmbito Federal.

Essa falsa assertiva, além de equivocada, denota a total, peremptória e contumaz prevaricação de todos os dirigentes da Polícia Federal, em não estabelecer uma decisiva estruturação da Polícia Federal, com segmentos de polícia administrativa, para o policiamento preventivo de fronteiras, aeroportuário e marítimo, bem com a finalidade de prevenir crimes de sua competência. E também reforçar uma idéia corporativista, na pior acepção da palavra, de se criar uma hipotética carreira jurídica, com respaldo no viés jurídico do modelo da investigação brasileira através do inquérito policial.

No entanto, mister é entender o real significado da atividade policial genericamente e da atividade policial federal especificamente, e qual o seu papel e onde estamos (PF) inseridos nesse contexto.
 
Infelizmente, nos foi passado (por interesse próprio da categoria dominante) ao longo de décadas que somos uma polícia "judiciária", tão-somente e, por muito tempo, absorvemos essa idéia. Que somos uma espécie de "polícia civil" da União, como é a do Distrito Federal.
 
Essa noção, graças a Deus, já começa a desmoronar exatamente quando definimos que queremos a "extinção do IPL". Coisa que há pouco tempo era impossível de se imaginar e tínhamos resistência até mesmo entre agentes e escrivães (não que ainda não temos), mas hoje já percebemos que a "juridicidade" dada à investigação no Brasil não pode persistir, sendo até mesma colidente com o principio constitucional do contraditório na persecução criminal, isto posto em recentes julgados e orientações do STF e CNJ no direcionamento das garantias constitucionais.
 
Mais ainda: reforça essa noção de que não somos apenas uma "polícia judiciária", como o é as polícias civis, quando o espaço deixado por nós nas atribuições inerentes às atividades da Polícia Federal de polícia administrativa, são retratadas nas "operações" policiais inadequadas e apoderadas pela Polícia Rodoviária Federal (que tem função originária no policiamento de trânsito das rodovias federais). Começamos a ter noção de "ciclo completo de polícia", recentemente vindo à baila durante a 1ª Conseg – Conferência Nacional de Segurança Pública, realizada de 27 a 31 de agosto do corrente ano.

Quanto ao modelo que buscamos e que gera desencontros no nosso meio de policiais não-delegados, existe tão somente por sermos ignorantes (no sentido de ignoramos mesmo, por desconhecimento da matéria) e não estudarmos a fundo modelos de polícia e de persecuções criminais e quais os avanços e sistemas modernos existentes.

Essa assertiva é tão patente que, antes da 1ª Conseg, pouquíssimos policiais conheciam ou tinham ouvido a expressão "ciclo completo de polícia". Nem mesmo os indigitados gestores da Polícia Federal. Entender o significado da expressão, impossível!

Fato inusitado até, e que demonstra a propalada ignorância nossa, especialmente dos ditos "dirigentes" de última hora e juristas de qualquer hora, quando o assunto é a ciência policial, por ser o tema parte do primeiro programa de governo do então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva. E, mais ainda, por ter sido uma das diretrizes mais votadas na referida Conferência: "estruturar os órgãos policiais federais e estaduais para que atuem em ciclo completo de polícia". Enquanto já era do conhecimento de cientistas sociais e estudiosos do assunto, era totalmente desconhecido dos "doutores" da polícia federal.
 
No debate do modelo que deve ser estruturada a Polícia Federal, devemos ter em mente a atividade da ação policial como um todo. Em sua plenitude. Tanto na área de policiamento preventivo/ostensivo como de investigação prévia, que é apenas uma pesquisa da ocorrência acontecida ou um levantamento antecipado da incidência criminal, apurando-se fatos ocorridos, suspeitos de práticas delituosas e utilização da inteligência (informação) policial para prevenção e repressão do crime prestes a acontecer ou ocorrido. E a formalização da culpa, que é o viés jurídico da investigação que hoje no Brasil está inserida no inquérito policial, como ainda é previsto na legislação processual penal e infraconstitucional.
 
No entanto, entendemos que qualquer iniciativa de acusar formalmente o suspeito, por meio de procedimento pré-processual (inquérito) ou processual (instrução criminal), deveria ser efetuada pelo Ministério Público ou pela justiça criminal.

Investigação policial é diferente de qualquer ato que formalize a culpa, como indiciamento, nota de culpa, compromisso formal de testemunhas sob as penas da lei, oitivas, inquirição, qualificação e interrogatório etc, que são atos próprios de formalização jurídica da investigação e devem ser presididos fora do ambiente policial. Com direito ao contraditório e garantias constitucionais.
 
Todo esse aspecto é maior quando se trata da Polícia Federal, já que constitucionalmente não detém – apenas - a função de "polícia judiciária".
 
Por isso, a participação da área jurídica nestes debates, envolvendo o Ministério Público (MP) e o Judiciário, que são destinatários do resultado direto do trabalho policial.
 
O juizado de instrução, por exemplo, já está em franco desuso. A tendência moderna é o MP absorver a fase pré-processual (inquérito criminal, e não a investigação propriamente dita) sob a observância de um "juiz de garantias".
 
Devíamos todos estudar o resultado da pesquisa acadêmica encomendada pela FENAPEF à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É tarefa obrigatória mínima para todo o sindicalista da Polícia Federal e um "dever de casa" para todo policial federal.
 
A Comissão de Reforma do CPP do Senado, da qual estamos alijados da discussão, caminha nessa direção. Mais por desenvolvimento natural e evolutivo do processo penal brasileiro, do que por vontade própria dos delegados de polícia lá representados. No entanto, eles, delegados, buscam abrir passagem e brechas para mais prerrogativas exclusivas de seu cargo nessa nova concepção. O que é um contra-senso, já que se entendem "juristas" da esfera policial.
 
Em relação à "reestruturação da carreira policial federal" (prefiro entender que seria a "estruturação" já que nunca foi de fato estruturada, no máximo, foi mal organizada), temos que marchar no sentido de estruturá-la, visando adequá-la ao enfoque próprio do legislador constituinte originário. Vale repetir: em que se considere a Polícia Federal na sua plenitude constitucional de polícia administrativa e de investigação, ou seja, de ciclo completo de polícia, assunto tão desconhecido para nosso público quanto mal interpretado, mormente por aqueles que entendem que somos apenas uma polícia "judiciária" e defendem que o "produto final" do nosso trabalho seja o inquérito policial.

Percebamos, ainda, que em qualquer tentativa de estruturação da carreira policial federal, por ser sui generis no Brasil, tem que ser totalmente diferente das carreiras das outras polícias, seja de âmbito federal ou estadual. Ou seja, tem de ser uma estrutura diferente, por exemplo, da Polícia Rodoviária Federal e diferente da Polícia Civil do DF.
 
Resta-nos compreender esse aspecto e característica da nossa Polícia Federal, que não interessa aos delegados da PF (porque lhes tirará poder e importância de seus cargos, porquanto desenvolverá a outra função de polícia administrativa) e que sempre foi uma atividade – a de polícia administrativa – relegada por eles e que agora, percebendo o argumento existente, buscam (quando não minimizá-la) inseri-la como "prerrogativa" deles chefiar uma tropa de federais operacionais e tecnicamente policiais. Assunto tão adverso das ciências jurídicas como o é o viés jurídico da investigação policial, representado pelo modelo adotado no Brasil através do inquérito policial, da ciência policial.

Diante dessa realidade, que desde muito tempo, até mesmo no mandamento constitucional anterior era uma característica nossa, devemos discutir essa faceta e análise de forma textual e levar ao conhecimento político e governamental (ao governo particularmente interessa essa ponto de vista de ciclo completo polícia adotado na Constituição Federal de 1988, em relação à Polícia Federal) para programarmos uma política sindical visando uma profunda transformação no modelo de polícia brasileiro, a começar por nós.
 
Esqueçamos Polícia Civil, PRF, peritos e delegados...
 
Partamos pra cima com uma nova postura e com fundamento na própria Constituição brasileira. E exijamos uma estruturação dos cargos de agente, escrivão e papiloscopista unificados num cargo policial, por meio de uma lei orgânica condizente com as competências constitucionais da Polícia Federal, na esfera de polícia administrativa com novo paradigma de policiamento federal e de investigação prévia, onde fomos forjados.
 
Nesse aspecto, devemos construir uma carreira sólida, com atribuições novas de direção e fora da esfera "jurídica" da investigação, já que a Constituição Federal/88,faz alusão apenas às polícias civis, que serão "dirigidas" por delegado de polícia, não sendo referência para as polícias Rodoviária Federal e Federal. E faz sentido, já que aquela exerce função unicamente de policia judiciária, enquanto estas exercem função de polícia administrativa no patrulhamento das rodovias; e de polícia administrativa preventiva e judiciária da União, respectivamente.

Um cargo único resultante dos três cargos policiais operacionais, com perspectivas de crescimento e que se desenvolva desde o patrulhamento ostensivo até a área de investigação prévia, de inteligência e de direção (gerenciamento/gestão) dessa atividade dentro da Polícia Federal, deve ser considerado como um avanço para uma nova política de segurança, inclusive prenunciada na 1ª Conseg, como já dito.
 
Entendemos salutar que um novo Conapef – Congresso Nacional dos Policiais Federais venha ao encontro de nova percepção da atribuição, competência e da vocação originária da Polícia Federal, como uma polícia de vanguarda voltada para a prevenção e repressão ao crime fronteiriço, ao contrabando e descaminho, ao crime de tráfico de drogas, ao policiamento marítimo e aeroportuário, etc.

Atribuições relegadas por aqueles que entendem pertencer a uma hipotética carreira jurídica dentro da carreira policial, em detrimento de um melhor serviço prestado à sociedade brasileira, e usurpada diariamente por instituições policiais com finalidade constitucional diversa, como as de policiamento de trânsito rodoviário federal, que se aproveitam do vácuo deixado por nós, tem sido um prejuízo inestimável para o erário e para a população brasileira.

O debate é enriquecedor e devemos construí-lo em cima de uma argumentação forte, consistente e lógica, dentro da realidade constitucional do nosso ordenamento jurídico e coerente com os melhores procedimentos e políticas dos sistemas envolvidos, tais como os setores que possam ser nossos aliados e do contribuinte, como o Ministério Público, a magistratura, políticos e governo.

Por fim, creio que devamos nos mobilizar, sim, com um discurso único, da nossa categoria, independente dos setores correlatos das polícias civis e das polícias administrativas, estaduais e federais, assim como um discurso diferente do que defendem delegados e peritos federais.
 
E mais: mostrar aos atuais governantes e eventualmente aos futuros um projeto político para a Polícia Federal  pioneiro, inovador e dentro das atribuições constitucionais da Polícia Federal, pelo bem da democracia, pelo bem do Brasil!
 
Tércio Fagundes Caldas é vice-presidente do SINPEF/PB.


--
SINPEFPB - Rua Lourenzo Fernandes nº 52 - Torre - João Pessoa-PB | Fones: (83) 3221.3310 - 3221.0462 - Fax (83) 3221.3310 - www.twitter.com/sinpefpb

domingo, 18 de outubro de 2009

A HIERARQUIA NA PF


 Por Flavio Werneck

Caros Policiais Federais;

Estou redigindo este texto com profundo pesar. Posso dizer que o adjetivo que mais se adequa ao momento é: AMARGURA. Cada vez mais sinto que estamos caminhando para uma situação de perda. Perda de respeito, perda de atribuições, de amizade, de convívio saudável, de ambiente de trabalho salutar, de democracia...
Nessa inglória posição de sindicalista, que todos afirmam aos quatro ventos ser benéfica, mas que até hoje me trouxe cabelos brancos e inimizades (até daqueles que reputava "colegas" de trabalho), fico cada vez mais consciente do que a Polícia Federal vai se transformar, se não houver a imediata adoção de uma carreira única justa, que se paute pela competência e capacitação.
Vamos ao estopim dessas poucas e desarticuladas palavras (o que não quer dizer que não contribuiu para encher o barril de pólvora que permeia minha cabeça):
Na minha busca diária por um alento, me deparei no sitio da associação dos delegados de polícia federal com a seguinte matéria: "A hierarquia e os cargos de chefia no DPF - xxxxxx". Com minha curiosidade aguçada, comecei a ler a monografia acima. Eis que me deparo com a redação abaixo (fls. 37/38):

"3.1 A hierarquia funcional
Existe uma diferença tênue entre o uso corriqueiro das palavras profissão e carreira. De dicionário pátrio, destacaram-se definições de interesse a esta pesquisa:

CARREIRA [Do lat. vulg. carraria, i. e., via carraria, 'caminho de carro');.profissão: carreira militar. carreira diplomática. (Ordenação dos postos, em níveis decrescentes, dos funcionários efetivos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil); Fazer carreira:. Alcançar boa posição social e/ou profissional. (FERREIRA, 1997, p. 358).
PROFISSÃO [Do lat. professione.]: Atividade ou ocupação especializada, e que supõe determinado preparo: a profissão de engenheiro; a profissão de motorista; Profissão liberal. - Profissão de nível superior caracterizada pela inexistência de qualquer vinculação hierárquica e pelo exercício predominantemente técnico e intelectual de conhecimentos. (FERREIRA, 1997, p. 1398).

PROFISSÃO é uma atividade específica na sociedade, e CARREIRA é o conjunto dos níveis profissionais a serem atingidos por acesso ou promoção ao longo do tempo em determinada atividade. Pode-se, ainda, chamar de profissão a escolha por uma formação, ou seja, uma área para atuação ou a atividade que será exercida. Depois de formado, o profissional passa a trabalhar e colocar em prática o que aprendeu.
À evolução individual do profissional dá-se o nome de carreira. Diz respeito ao sucesso do indivíduo, ou sua colocação na hierarquia de uma empresa. Como exemplo pode citar os Office-boys, que muitas vezes são promovidos e promovidos, galgando cargos mais elevados que em conjunto com seus estudos, o faz tornar-se gerente ou até mesmo diretor.
A CF/88, ao instituir a Polícia Federal, determinou sua estruturação em carreira. Como visto no item 1.2 deste trabalho, a estrutura funcional da Carreira Polícia Federal é simples e composta por cinco cargos públicos de natureza estritamente Policial: Delegado de Polícia, Perito Criminal, Escrivão de Polícia, Agente de Polícia e Papiloscopista Polícia. Cada cargo é dividido em quatro níveis, sendo o nível inicial denominado Terceira Classe, e o final da carreira a Classe Especial.
Uma primeira ordenação em uma hierarquia funcional direta, explicitamente, se encontra estabelecida na carreira: Os cargos de Agentes, Escrivães e Papiloscopistas são inferiores aos cargos dos Delegados e Peritos, portanto, são os ocupantes daqueles cargos diretamente subordinados a estes em qualquer situação.

Decreto-Lei nº 2.320, de 26 de janeiro de 1987
Art. 1° A Carreira Polícia Federal far-se-á nas categorias funcionais de Delegado de Polícia Federal, Perito Criminal Federal, Censor Federal, Escrivão de Polícia Federal, Agente de Polícia Federal e Papiloscopista Polícia Federal, mediante progressão funcional, de conformidade com as normas estabelecidas pelo Poder Executivo.
§ 1° As categorias funcionais de Delegado de Polícia Federal, Perito Criminal e Censor Federal são classificadas como categorias de nível superior.
§ 2° As categorias funcionais de Escrivão de Polícia Federal, Agente de Polícia Federal e Papiloscopista Polícia Federal são classificadas como categorias de nível médio. (BRASIL, 1987).

Não há uma relação hierárquica funcional entre os ocupantes dos cargos de delegados e peritos, estabelecendo-se somente uma subordinação administrativa, com relação ao nível ocupado pelo servidor: um delegado ocupante da 1ª Classe será superior a um perito da 2ª Classe ou, um perito de classe especial será superior ao delegado de 1ª classe.
Ao escolher por profissão a atividade POLICIAL FEDERAL, o candidato, depois de aprovado em regular concurso público e concluir o curso de formação profissional do cargo almejado, sendo nomeado e tomando posse, inicia sua carreira na 3ª classe. Trabalhando e colocando em prática o que aprendeu, sua evolução individual na profissão dar-se-á à medida que passa o tempo. Atingindo os requisitos exigidos (avaliação satisfatória e 5 anos de efetivo exercício), é promovido para as classes seguintes (2ª e 1ª), e será promovido ao topo da carreira (classe especial) após mais cinco anos de efetivo exercício, avaliação satisfatória e aprovação no Curso Superior ou Especial de Polícia. Não havendo percalços durante sua evolução profissional, o servidor, em um prazo mínimo de 15 anos, percorrerá toda carreira prevista para o cargo ocupado:
O ordenamento jurídico que regulamenta a Carreira Policial Federal, explicitamente, ordena de forma cristalina os níveis de cada cargo específico, não deixando margens de dúvidas de qual classe é superior ou inferior ou, de quem estaria subordinado a quem.

Decreto-Lei nº 2.320, de 26 de janeiro de 1987
Art. 2° A hierarquia na Carreira Policial Federal se estabelece primordialmente das classes mais elevadas para as menores... . (BRASIL, 1987).

É da evolução na carreira que se delineia a ordem hierárquica entre as classes de cada cargo, consubstanciando-se esta na subordinação dos cargos inferiores aos superiores: Os ocupantes de terceira classe são subordinados e inferiores aos de 2ª, 1ª e Especial; os de segunda aos de 1ª e Especial e, este último, superior a todas.
Ao recorrer à norma (Portaria nº 523, do Ministro de Estado de Planejamento de 28 de julho de 1989) que atribui a cada cargo da carreira as características específicas de suas atividades, constata-se a inteligência do artigo 5º e seu inciso II da Lei nº 5.645/70. A hierarquização entre as classes se formaliza. Para cada cargo, as classes superiores apresentam atividades específicas mais complexas e com maior grau de dificuldades do que as atividades atribuídas às classes inferiores. (grifo nosso)
(...)"

O texto, que tem por escopo obter o título de pós-graduação na ANP (ou já o obteve), antes de tudo, é precipitado em seu posicionamento. E digo isso, pois é a mínima posição que posso tomar diante de uma redação com condução tendenciosa, que omite inclusive parecer da Advocacia-Geral da União que (é sabido por todos), quando aprovado pelo Presidente da República e publicado, juntamente com o despacho presidencial, adquire caráter normativo e vincula todos os órgãos e entidades da Administração Federal, abaixo transcrito:

"Par. AGU CQ-35/94 - Par. - Parecer ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - AGU CQ-35 de 30.10.1994

D.O.U.: 16.11.1994

ASSUNTO: Apuração de irregularidades administrativas.

Nº CQ-35, de 30 de outubro de 1994. "De acordo, face as informações. Em 11/10/94." (Processo nº 00830.005043/89) encaminhado ao Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado Chefe da Casa Civil.

PROCESSO: 00830.005043/89
ORIGEM: Secretaria da Administração Federal/PR.
ASSUNTO: Apuração de irregularidades administrativas.

PARECER Nº GQ - 35 - VINCULANTE

A D O T O, para os fins e efeitos dos arts. 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, o anexo PARECER Nº AGU/WM-09/94, da lavra do eminente Consultor da União, Doutor WILSON TELES DE MACÊDO.
Brasília, 30 de outubro de 1994.
GERALDO MAGELA DA CRUZ QUINTÃO
Advogado-Geral da União
PARECER N. AGU/WM-09/94 (Anexo ao Parecer GQ - 35)
PROCESSO N. 00830.005043/89
ASSUNTO: Apuração de irregularidades administrativas.


18. A organização administrativa da União e de suas autarquias e fundações públicas, no aspecto funcional, consiste em quadros compreendidos por cargos efetivos, cargos de natureza especial, cargos em comissão e funções de confiança (cfr. os arts. 2ºe 3ºda Lei n. 5.645,de 1970, e 3ºda Lei n. 8.112, de 1990). A responsabilidade pela direção e chefia incumbe aos titulares dos cargos e funções de confiança, em relação aos quais se aglutinam o poder de mando e o dever de promover a apuração de irregularidades, integrando sistema de controle da legalidade dos atos praticados pelos agentes do Estado, sem estabelecer hierarquização entre as categorias de servidores efetivos. O posicionamento hierárquico deflui da organização estrutural e funcional dos órgãos administrativos a que correspondem feixes de atribuições de cargos ou funções providos em confiança, em decorrência da natureza dos seus encargos. Inexiste subordinação funcional entre os ocupantes de cargos efetivos. (grifo nosso)"
 
Importa ressaltar, ainda, o manual de treinamento em processo administrativo disciplinar da CGU:

"4.2.4.3 - Hierarquia Entre Cargos e Aspectos Extralegais da Composição e da Instalação da Comissão.
Segundo entendimento já esposado pela Advocacia-Geral da União, no Parecer-AGU nº GQ-35, vinculante, não há relação de hierarquia entre servidores ocupantes apenas de cargos de provimento efetivo. A interpretação do órgão de assessoramento jurídico é de que, na administração pública federal, o poder hierárquico está associado aos cargos de provimento em comissão ou às funções de confiança, responsáveis pela direção e chefia. Assim, por exemplo, não há subordinação funcional entre um ocupante de cargo efetivo de nível superior e um ocupante de cargo efetivo de nível intermediário, ainda que na mesma carreira, tão somente em função da diferença de nível dos dois cargos, se nenhum dos servidores ocupa cargo em comissão ou função de confiança. Por outro lado, haveria a vinculação hierárquica entre esses dois servidores se um deles, além de deter um cargo efetivo, concomitantemente ocupasse também um cargo em comissão ou função de confiança, de chefia, por exemplo (mesmo, por mera argumentação, se este fosse o servidor ocupante do cargo efetivo de nível intermediário). Da mesma forma, haveria subordinação funcional desses dois servidores ocupantes apenas de cargo efetivo em relação a um terceiro servidor detentor apenas de cargo em comissão, sem cargo efetivo."

Não vou me ater ao uso de sofismas na redação da monografia. Nem tampouco vou apresentar a apresentação de idéias conflitantes. Espere.... só uma pontuação, afinal uma "mísera transcrição não ofenderá nenhuma nação": Para o autor da Monografia "CARREIRA é o conjunto dos níveis profissionais a serem atingidos por acesso ou promoção ao longo do tempo em determinada atividade." e "A CF/88, ao instituir a Polícia Federal, determinou sua estruturação em carreira." Eureka!!! Apresento-lhes (rufar de tambores!!!): a carreira, seja ela adjetivada ou não; única ou solitária. Ou é isso, ou então temos um novo conceito de carreira (em acordo com a monografia apresentada), onde nunca será facultada a possibilidade de atingir, por acesso ou promoção, o ápice da pirâmide?
No que diz respeito à suposta hierarquia dentro do DPF, como diria o jargão de uma personagem de certa rede televisiva: "Prefiro não comentar!" Fico com o Parecer vinculante da AGU, acompanhado do manual da CGU que reputo mais condizentes. Continuo bradando: Não somos militares. Fora ranço do regime de exceção no DPF.
Por fim senhores (as), gostaria de terminar conclamando todos à reflexão do que realmente é benéfico para toda a sociedade brasileira, não só para o meu "poderzinho particular". Vocês querem a manutenção da impunidade galopante do País? Temem o novo? Passou da hora da mudança na segurança pública deste Brasil!! Termino com uma citação/reflexão:

"É melhor atirar-se à luta em busca de dias melhores, mesmo correndo o risco de perder tudo, do que permanecer estático, como os pobres de espírito, que não lutam, mas também não vencem, que não conhecem a dor da derrota, nem a glória de ressurgir dos escombros. Esses pobres de espírito, ao final de sua jornada na Terra não agradecem a Deus por terem vivido, mas desculpam-se perante Ele, por terem apenas passado pela vida;" Bob Marley

Flavio Werneck é diretor jurídico do SINDIPOL/DF
--
SINPEFPB - Rua Lourenzo Fernandes nº 52 - Torre - João Pessoa-PB | Fones: (83) 3221.3310 - 3221.0462 - Fax (83) 3221.3310

domingo, 4 de outubro de 2009

Inquérito policial

O instaurador maluco 
Por: Johnny Wilson Batista Guimarães 
 
 
“5... 4... 3... 2...
- Parem! Esperem aí.
Onde é que vocês pensam que vão?
 
Plunct Plact Zum
Não vai a lugar nenhum!!”
 
Raul Seixas
 


A atuação da Polícia Federal como polícia investigativa quase sempre se restringe à apuração tardia de crimes através do inquérito policial. Em plena crise de identidade, este vetusto procedimento (nascido em 1871) demonstra, não obstante, trazer impregnada uma força conservadora quase invencível.

Em que pese o despertar da instituição para a necessidade de absorver novidades tecnológicas e profissionais de segurança pública com formação universitária em todos os seus cargos, estes novos ares (de estrutura e pessoal) não conseguem vencer a persistência do antigo modelo de investigação.
 
As sugestões de mudança que brotam da massa crítica de policiais federais têm esbarrado no conservadorismo das corregedorias e na postura retrógrada de alguns delegados. No mais das vezes, têm recebido olhares severos dos que filtram qualquer possibilidade razoável de mudança.

No campo dos inquéritos e enquanto não conquistamos posições firmes e novas que modernizem a segurança pública, somos norteados por um documento normativo defasado, engessante, formalista e que ainda é defendido e citado como passagem bíblica pelos que são a favor do continuísmo ineficaz: a Instrução Normativa nº 11/2001, do Departamento de Polícia Federal.
Sempre que alguma sugestão é aventada para romper caminhos do burocratismo, evoca-se o mantra desta instrução para impedir a modernização dos trâmites.

É assim o coro rotineiro, quase um segundo hino do DPF:

"Contraria Instrução Normativa nº 11/2001!" a assinatura de documentos elaborados pelos escrivães pelos próprios.
 
"Contraria a Instrução Normativa nº 11/2001!" o fim de carimbos inúteis.
 
"Contraria a Instrução Normativa nº 11/2001!" a delegação de atos no inquérito policial.
 
"Contraria a Instrução Normativa nº 11/2001!" a lavratura de termos circunstanciados por escrivães ou agentes.
 
"Contraria a Instrução Normativa nº 11/2001!" a utilização maciça e ágil de e-mails nas comunicações e solicitações.
 
"Contraria a Instrução Normativa nº 11/2001!" a substituição de termos de declarações prolixos e dispendiosos por informações policiais.
 
"Contraria a Instrução Normativa nº 11/2001!" o cumprimento pelos escrivães, sem despacho, de atos já normatizados.
 
Qualquer inovação "contraria a Instrução Normativa nº 11/2001!"
 
Desta forma, o que se produz é algo que não atende à segurança pública. São geradas toneladas de papéis, sujeitas tragicamente à incineração ou ao picotamento e recheadas de rubricas e determinações protelatórias, com atos exageradamente concentrados nas mãos dos delegados.
 
Não é mais novidade dizer que os índices de arquivamento dos inquéritos policiais são aberrantes se comparados aos poucos que dão azo às ações penais.
 
No entanto, apegados cada vez mais a tal produto caro e ineficiente – o famigerado inquérito policial - nossos gestores continuam insistindo no erro do excesso de formalismo e, pior, no prêmio das estatísticas
 
Se o produto é equivocado é também equivocada a estatística do produto, por óbvio ululante.
 
Estimula-se a figura do "carimbador maluco", aqui substituído pelo "instaurador maluco": aquela autoridade obcecada que, insaciável, ao se deparar com uma notícia de crime – a mais singela e bagatelar, sem filtro, sem critério, sem norte, mas movido por uma inconfessável pressão ou desejo de atingir metas, automaticamente instaura, instaura e instaura!
 
Cito o exemplo da apuração da prática do crime de descaminho. O Supremo Tribunal Federal aplicou o princípio da insignificância ao fundamento de que deveria ser considerado o novo parâmetro de R$ 10 mil – de tributos ilididos - instituído pela Lei 11.033/2004 (HC nº 92438).
 
Tal decisão do STF, em consonância com inúmeras outras de primeira instância, continua sendo ignorada por "instauradores malucos", como se uma decisão da Suprema Corte não tivesse que repercutir. É comum presenciarmos prisões em flagrante por descaminho em quantidade irrisória de tributo sonegado, em flagrante desrespeito a princípios garantistas.
 
Os defensores das operações "enxuga gelo" e das lavraturas mecânicas trazem a lume o princípio da obrigatoriedade como argumento, esquecendo-se de que os princípios da subsidiariedade, fragmentariedade do Direito Penal e da eficiência encontram amparo proeminente em nosso ordenamento constitucional.
 
Esquecem-se também de que, administrando os rumos da Policia Federal, deveriam estimular o debate crítico e imparcial do atual modelo, com a participação de todos os cargos que compõem os quadros da polícia, sem a defesa simplória da manutenção do poder. Certamente, contribuiriam de fato para que a PF atingisse os anseios sociais, revolucionando o atual modo arcaico de fazer polícia.
 
A esta altura, resta a pergunta: "por que continuar assim?" Talvez porque os milhares de inquéritos menores e triviais que tramitam no DPF formem o atalho para atingir os números cobrados pelas metas enganosas.
 
Esconder-se atrás de "inquéritos fáceis de tocar" é atitude que não condiz com a credibilidade e esperanças depositadas na Polícia Federal.
 
Tais como aqueles instaurados para apurar crimes de moeda falsa sem autoria determinável ou elemento subjetivo do dolo, crimes ambientais de questionável atribuição, rádios piratas/comunitárias de baixa freqüência, apropriação indébita de contribuições previdenciárias de bagatela (muitas vezes com débitos discutidos na esfera administrativa ou inscritos no Refis) ou ainda de descaminho/contrabando de valores irrisórios.
 
Há ainda, no mesmo equivocado raciocínio, as instaurações para apurar crimes prescritos ou de atribuição da Polícia Civil.
 
Os números servem para construir o sucesso falaz das metas e o abrigo de tantos que muito trabalham, mas não conseguem ser eficazes.
 
Enquanto isso as investigações dos delitos mais lesivos à sociedade são preteridas e sufocadas pela política do "quanto mais inquérito melhor".
 
Com efeito, a simples instauração do inquérito policial traz necessariamente repetitivos registros manuais e informatizados, atos cartorários, ofícios de comunicações, infindáveis trâmites entre Ministério Público e Justiça, horas de trabalho de servidores de diferentes órgãos. Portanto, torna-se mais dispendiosa que o benefício trazido pela pretensa atuação estatal.
 
Não são poucos os delegados que preferem iniciar o processo de instauração destes IPLs (e aumentar seu score) a solicitar manifestação prévia do Ministério Público quanto à conveniência, necessidade e razoabilidade de tal empreitada.
 
A quem interessa esta estatística? Reformulo a pergunta.
 
Se pensarmos no imediatismo, talvez aos próprios "instauradores malucos", que assim se escondem, se resguardam e esperam a chegada do quinto dia útil, cumprindo à risca a cartilha.
 
Se pensarmos na manutenção do poder, simplesmente, podemos intuir que o incentivo de um mecanismo velho e fracassado é mais uma manifestação não democrática, que aqui se revela na defesa da estrutura superada que garante o poder aos delegados.
 
Se pensarmos em soluções para a segurança pública, dever de todo cidadão, a ninguém interessa tal prática.
 
*Johnny Wilson Batista Guimarães é Delegado Sindical do SINPEF MG em Varginha, bacharel em Direito pela UFMG e pós-graduando em Ciências Penais pelo Instituto Luiz Flávio Gomes.
 
Fonte: Agência Fenapef



sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O fim da santa inquisição

Por Cláudio Avelar

Com satisfação percebo que apesar da demora, a sociedade começa a conhecer mais de perto a intimidade da maior falácia do sistema criminal – o famigerado inquérito policial. Peça meramente informativa, mas que na verdade não informa.
Falta de objetividade com sobra de burocracia, favorecimentos ideológicos, além de infindáveis pedidos de renovações dos prazos que apesar de atendidos, nunca são suficientes para resolução da dúvida investigatória, fazendo apenas com que a persecução criminal fique cada vez mais engessada.
Como pode? Uma peça que veio ao mundo jurídico apenas para servir de informação, mas que na verdade não informa, serve então para quê? -Para intimidar? Não seria possível, pois vivemos em um sistema democrático. – Para manter o poder da polícia nas mãos do Delegado? Não tem lógica, estamos no século XXI. - Apesar de ser dispensável, ainda é mantido em nosso sistema processual penal? – Só pode ser para favorecer alguém, quem sabe a morosidade que só afasta o cidadão da justiça igualitária?
Respostas difíceis, porém óbvias em um regime que não foi feito para funcionar. Onde a lei de Gérson é a única que funciona: - “Gosto de levar vantagem em tudo, certo”? Por que será que escondem os índices catastróficos desse catastrófico e pernicioso modelo de investigação policial?
Pasmem, mas aproximadamente 85% dos inquéritos policiais são arquivados sem indicar autoria e materialidade, ou seja, não mostram o que aconteceu e muito menos quem cometeu o crime. Absurdo para um sistema inquisitorial. Isso mesmo! Os inquéritos seguem o modelo dos Tribunais da Santa Inquisição – aqueles que queimavam mulheres honestas alegando, mesmo sem provas que eram bruxas e esquartejavam sábios e filósofos, apenas por discordarem das tradições da Santa Igreja.
O Inquérito foi trazido de Portugal na época da colônia, para fundamentar as bases investigativas da polícia e devemos lembrar ainda que nosso antigo reino, sabiamente aboliu essa peça de seu sistema há muitos anos. Aliás, a polícia brasileira está copiando o mesmo modelo, já abolido em todo o mundo e que existe somente dessa forma em três países, que não são modelos razoáveis de democracia, muito pelo contrário: Angola, Moçambique e Timor Leste.
Se aquele que trouxe para nossa realidade percebeu que no mundo moderno não cabe mais. Se todos os países do mundo não mais o utilizam, por conta dos atrasos inerentes de sua implementação, podemos fazer uma óbvia pergunta: Por quê não copiamos o exemplo da Inglaterra, Espanha, Estados Unidos, Japão, Israel, Alemanha, França ou qualquer civilização desenvolvida e seguimos um molde criado apenas para manter poder pelo poder e a fim de simplesmente evitar que se modifiquem essa relação protecionista e praticamente feudal.
Lembremos-nos que a polícia na era medieval foi criada para evitar que os pobres e famintos peões se apoderassem do patrimônio dos ricos. Então o Rei nomeava um nobre, ou pelo menos, um servo fiel para um cargo de poder e a ele era permitido o “poder delegado de polícia”. Nessa seqüência de nomeações e para que esse delegado ou xerife, gordo e puxa-saco, tivesse fortes braços operacionais, eram nomeados soldados, homens pobres, porém corajosos e que em troca de algumas moedas, estariam dispostos a matar e morrer pelo seu senhor.
A história atropelou essa relação sistêmica e aqueles peões de ontem, são hoje bacharéis, mestres e doutores, que pensam antes de matar e não se sujeitam a morrer apenas pela fidelidade patriarcal.
Enquanto isso, esses xerifes de ontem, ainda pensam que o tempo não passou e querem obrigar aqueles, que não são mais peões a cumprirem cegamente suas ordens e usando e abusando do poder delegado de polícia e do valor acusador e poderoso do inquérito policial.
Hoje os próprios policiais, mais conscientes do que nunca, iniciam uma campanha pró-sociedade, mostrando que as peripécias dos procedimentos daqueles xerifes estão com os dias contados, pois além dos clamores sociais pela eficiência da investigação, por não mais aceitarem o modelo antigo, buscam a eficiência em detrimento dos favores inquisitoriais.
Lembro-me um triste fato ocorrido anos atrás em São Paulo, quando um casal de descendentes de japoneses, proprietários de uma escola para crianças, foram acusados de pedofilia. A polícia através das investigações dentro do Inquérito policial, concluiu que eram culpados, indiciando-os em vários artigos do código penal. A imprensa por sua vez, com o dever de informar, mostrou ao mundo o que a polícia concluíra.
Com o passar do tempo, ficou provado que tudo não passara de uma fantasia infantil, com um desagradável pedido de desculpas pelo mal entendido, porém a vida daquele casal estava definitivamente marcada pela injustiça da atualíssima Santa Inquisição, transfigurada pelo inquérito policial.
Os policiais federais de Brasília iniciaram a jornada de buscar a demonstração da ineficiência do sistema ainda adotado no Brasil, com a realização de um Seminário Jurídico em parceria com a OAB e Associações dos Magistrados, Promotores de Justiça e Procuradores da República. A organização que foi dos federais se eximiu de palestrar, mas trouxe as falas, juízes, advogados e membros do ministério público, contando com palestrantes de renome que mostraram em verso e prosa, os problemas, porém apontando as soluções.
De forma inédita, esse Seminário resultou em uma carta de intenções, encaminhada a uma série de autoridades, inclusive ao Presidente da República, ministros e todos os parlamentares. Em breve a sociedade poderá contar com um sistema mais moderno. O inquérito pode até ser extinto que não fará falta, mas enquanto isso não acontece, o cidadão contará com mudanças evolutivas e modernizadoras.
O Deputado Federal José Santana do PR mineiro acaba de encaminhar o projeto de Lei 5508/2009, que atende integralmente a sugestão dos federais, que de forma inédita contou com a parceria ao mesmo tempo, dos magistrados, advogados e ministério público. Assim, em breve a sociedade poderá ver implementado, um sistema eficiente, democrático e que impeça que pessoas sejam investigadas indefinidamente, além de evitar que a polícia indicie e promova julgamentos parciais.
As atribuições devem ser muito bem definidas: a polícia investiga e apresenta ao ministério público provas técnicas e objetivas, que oferecerá a denúncia caso esteja convencido da ocorrência do crime. Por fim, o juiz aceitando a denúncia do promotor, promoverá o julgamento, garantindo o real cumprimento do ciclo do direito.

Luís Cláudio da Costa Avelar
É carioca, ingressou na Polícia Federal em 1984 e sua primeira lotação foi em Naviraí/MS, onde permaneceu até 1989. Depois foi para Juiz de Fora/MG, onde esteve até 1993, SR/DF até 1997 e atualmente está lotado na CGPRE no Ed. Sede. Bacharel em Direito e Administração. Com especialização em Direito Público, Avelar sempre atuou na área operacional, principalmente na repressão ao tráfico de entorpecentes. Eleito para Presidência do sindicato em 2004 e reeleito em 2007 para o segundo mandato, fica à frente do Sindipol/DF até 2010.

O SEU DIREITO DE GREVE

Por Flávio Werneck
02/10/2009

Resolvi tecer alguns comentários sobre o direito de greve de forma clara e direta pois temos várias “lendas” que cercam o tema. Também porque estamos chegando no limite da subserviência e passividade. A relação vassalo/suserano é prática medieval. Não há porque deixarmos a mesma instalar-se impunemente dentro do DPF.

Temos um iminente embate. Seja motivado pelas relações internas (Lei orgânica justa, Carreira única, reenquadramento), seja pela nossa defasagem frente às demais carreiras do executivo federal. Um analista do Bacen, um diplomata, um gestor governamental, um analista técnico da SUSEP, um analista e inspetor da CVM ganham R$ 12.960,77 – 18.474,65. Um auditor fiscal do trabalho e também o da Receita Federal, R$ 13.600,00 – 19.451,00. As ditas carreiras jurídicas iniciam com 14.970,00 e terminam com R$ 19.475,00. Isso sem falar da ABIN, cujo projeto de Lei tramita no congresso elevando sua remuneração para patamares similares aos das citadas carreiras jurídicas.

Não podemos mais perder tempo. Temos os bancários em greve, os correios mobilizados, os servidores da Justiça e do MP com indicativo de paralisação. Vamos nos conscientizar. Chega de alienação política!!! Nossa remuneração está muito defasada em relação a outras categorias com atribuições e responsabilidades similares. Importa ressaltar que o risco diuturno de vida quem corre somos nós Policiais.

SERVIDOR PÚBLICO PODE FAZER GREVE?

O direito de greve encontra-se assegurado no texto Constitucional (art. 9º e 37, VII). Recente decisão do STF, face à omissão do legislativo em disciplinar via lei complementar tal direito, mandou aplicar as disposições da greve no setor privado, Lei 7.783/89 (M.Injunção 670, 708, 712).

“Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.

Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da paralisação.

(...)

Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.”

QUEM ESTÁ EM ESTÁGIO PROBATÓRIO PODE ADERIR AO MOVIMENTO?

Embora esses servidores não estejam efetivados no serviço público, eles detêm todos os direitos previstos para os demais servidores, inclusive o direito de greve (que é direito constitucional). O estágio probatório se presta tão somente à avaliação de aptidão do servidor para o serviço público. Essa avaliação é pautada por critérios lógicos e precisos, não cabendo juízo de valor subjetivo. A participação em movimento grevista não configura, de forma alguma, falta de habilitação para a função pública. Não pode o servidor ser punido por exercer seu direito constitucional. A jurisprudência nos tribunais é farta neste sentido.

PODE HAVER CORTE DE PONTO?

Sim. Existe o risco de alguma chefia, em atitude repressiva, determine o desconto. Não obstante, tal desconto também tem que seguir certos ritos que vou me abster de relatar por motivos óbvios. A assessoria jurídica está pronta para defender o direito de greve e o sindicato tomará todas as precauções se houver necessidade de deflagrar qualquer movimento paredista.

QUAIS SÃO ESSAS PRECAUÇÕES?

Os sindicatos têm que apresentar a proposta de aumento ou de resolução dos problemas internos, documentando toda a negociação. Se necessário, convocar assembléia geral para votar a propositura de paralisação. No caso de deflagrar a greve o sindicato tem que documentar todas as tentativas, comunicar os órgãos centrais do DPF e manter o registro de freqüência dos servidores.

O NOSSO SERVIÇO NÃO É CONSIDERADO ESSENCIAL? COMO POSSO FAZER GREVE?

Realmente o nosso serviço foi considerado essencial pelo STF. Assim como qualquer outro serviço público. Então a paralisação nunca poderá ser total. Em tese deve-se, em acordo com a administração, definir quais os serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades da comunidade ou que resultem em dano irreparável. Na prática entende-se que o efetivo tem que ser mantido em 30% trabalhando.

Espero realmente que esse texto ajude a conscientizar os Policiais de seus direitos e que também, de modo tímido, esclareça que o caminho a ser tomado depende de todos. Finalizo citando Bob Marley, conclamando os verdadeiros Policiais Federais a buscarem dias melhores para eles, suas famílias e seu País:

“É melhor atirar-se à luta em busca de dias melhores, mesmo correndo o risco de perder tudo, do que permanecer estático, como os pobres de espírito, que não lutam, mas também não vencem, que não conhecem a dor da derrota, nem a glória de ressurgir dos escombros. Esses pobres de espírito, ao final de sua jornada na Terra não agradecem a Deus por terem vivido, mas desculpam-se perante Ele, por terem apenas passado pela vida.”