A representatividade classista dos policiais federais, através de sua entidade maior, a Federação Nacional dos Policiais Federais, sempre demonstrou em suas iniciativas buscar um caminho, dentro do ordenamento jurídico pátrio, para a real estruturação para Polícia Federal e sua carreira, onde se desenvolva uma atividade policial de vanguarda no nosso País.
Estabelece a Carta Política do Brasil que segurança pública é "dever do Estado, direito e responsabilidade de todos" (Art. 144, caput, CF88), e será exercido pelos órgãos descritos nos incisos seguintes do mesmo artigo legal.
Para as polícias civis, órgão que tem servidores policiais estaduais regidos pelo estatuto civil no âmbito estadual, determina a Constituição, ser "dirigida por delegado de polícia carreira", ou seja, oriundos da carreira policial. Impedindo que essa direção seja exercida por delegados de polícia que não fossem da carreira policial, e que podem ser alçados ao cargo de delegado de polícia, em função gratificada de livre nomeação e exoneração, os chamados vulgarmente "delegados calças-curtas".
Estabelece ainda, que estes órgãos são subordinados aos governadores dos Estados, Distrito Federal e Territórios, e que se incubem, tão somente e unicamente, exercer uma das funções da polícia de segurança, que é o exercício da função de "polícia judiciária", por meio do qual tem a finalidade da "apuração de infrações penais" (§ 4º, art. 144, CF88 c/c Art. 4º, do Decreto-Lei Nº. 3.689/41).
A "apuração de infrações penais" é competência da "autoridade policial" dentro de sua "circunscrição" e não excluirá a mesma a competência da autoridade administrativa a "quem por lei seja cometida a mesma função" (parágrafo único do Art. 4º, CPP).
Já para as polícias militares, órgão que tem servidores policiais estaduais regidos por estatuto de natureza militar, também subordinada aos governadores dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, a Constituição reservou o papel da outra função de polícia de segurança, a função de "polícia ostensiva" e a preservação da ordem pública (§ 5º, art. 144, CF88), ou seja, as funções de polícia administrativa, preventiva, de prevenção.
Neste mesmo diapasão, o legislador constituinte estabeleceu para as polícias rodoviária e ferroviária federais, ambas com servidores policiais regidos por estatuto civil, o Regime Jurídico Único (RJU), as funções de polícia administrativa destinada "ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais e das ferrovias federais" (§§ 2º e 3º, do art. 144, CF/88), respectivamente. Ou seja, apenas e unicamente a função preventiva de polícia administrativa, de patrulhamento de rodovias federais e ferrovias federais.
Em relação à Polícia Federal brasileira, órgão estruturado em uma única carreira de servidores policiais federais civis, portanto regidos pelo RJU, a Constituição Federal, especificamente, estabeleceu e detalhou sua destinação nos incisos de I a IV, do § 1º, do art. 144 daquele diploma maior.
O legislador constituinte originário estabeleceu para a Polícia Federal uma característica individualizada de polícia para o Brasil, adotando uma lógica diferente à do âmbito estadual, quando constituiu a Polícia Civil (com única função de polícia judiciária) e a Polícia Militar (com função única de polícia administrativa), uma para cada função da polícia de segurança, optando no âmbito federal por reunir as duas funções de polícia de segurança no mesmo órgão. Ou seja, adotou o ciclo completo de polícia no âmbito federal. Em outras palavras, fechou em um só órgão o ciclo das funções da polícia de segurança.
Excetuou, na esfera federal, o patrulhamento ostensivo de rodovias e ferrovias federais, remetendo estas funções de polícia administrativa a órgãos específicos (§§ 2º e 3º, art. 144, CF88).
Percebamos que, dentre as atribuições da Polícia Federal, há elementos diferenciados de todos os demais órgãos relacionados no caput do Art. 144, da Carta.
Mesclando-se no mesmo órgão as duas funções de polícia de segurança, ora com "função de polícia judiciária da União", com a finalidade da "apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei" (incisos I e IV, § 1º, art. 144, CF 88 c/c Art. 4º, do Decreto-Lei Nº. 3.689/41), grifamos, ora como polícia administrativa na prevenção do "tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho", e no exercício das "funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras" (incisos II e III, art. 144, da CF88).
Ou seja, em funções de policiamento de prevenção nas áreas e matérias de suas competências, estabeleceu que a Polícia Federal tem o dever constitucional de se estruturar, diferente de todas as demais polícias brasileiras, para exercer na plenitude suas atribuições de polícia administrativa na prevenção e repressão ao tráfico ilícito de drogas e ao contrabando e descaminho, bem como ao policiamento de fronteiras, marítimo e aeroportuário.
Note-se que tal característica não é uma novidade. A própria Constituição Federal de 1967, alterada pela EC nº. 01/67, em seu art. 8º, inciso VIII, alíneas "a", "b" e "c", previa a organização e manutenção pela União da Polícia Federal. Saliente-se que era o único órgão policial previsto na Constituição anterior, dispondo sobre a finalidade da mesma de exercer as duas funções de polícia de segurança, ora como polícia administrativa de prevenção, no policiamento marítimo, aéreo e de fronteiras e de prevenção ao tráfico de entorpecentes e drogas afins, ora como polícia judiciária com a finalidade de apurar infrações penais.
A partir destas ligeiras impressões constitucionais, do sentimento de abandono, da negação sistemática de representantes de um dos cargos da carreira policial federal, que dominou e se intitulou "dirigente" da Polícia Federal, e que é representada pelos ocupantes do cargo de delegado de Polícia Federal (que na sua origem eram inspetores de polícia, denominação mais apropriada para o modelo de Polícia Federal escolhido pelo constituinte originário de outrora e atual) em não tratar a PF como polícia que tem funções de polícia administrativa e judiciária ao mesmo tempo, é que os ocupantes dos demais cargos começaram a ter em mente uma estruturação da Polícia Federal nos moldes previsto na Constituição.
Entendamos, ainda, que essa interpretação deturpada que a Polícia Federal é apenas a polícia judiciária da União e, que nesse sentido, é correlata às polícias civis e que "as duas corporações compartilham da mesma origem", como afirma a Associação de Delegados de Polícia Federal, em matéria em seu site oficial (clique aqui para ler a matéria), é puro "jogo de cena" querendo reforçar a idéia e a percepção de que a Polícia Federal é um "espelho" da Polícia Civil do Distrito Federal, de âmbito Federal.
Essa falsa assertiva, além de equivocada, denota a total, peremptória e contumaz prevaricação de todos os dirigentes da Polícia Federal, em não estabelecer uma decisiva estruturação da Polícia Federal, com segmentos de polícia administrativa, para o policiamento preventivo de fronteiras, aeroportuário e marítimo, bem com a finalidade de prevenir crimes de sua competência. E também reforçar uma idéia corporativista, na pior acepção da palavra, de se criar uma hipotética carreira jurídica, com respaldo no viés jurídico do modelo da investigação brasileira através do inquérito policial.
No entanto, mister é entender o real significado da atividade policial genericamente e da atividade policial federal especificamente, e qual o seu papel e onde estamos (PF) inseridos nesse contexto.
Infelizmente, nos foi passado (por interesse próprio da categoria dominante) ao longo de décadas que somos uma polícia "judiciária", tão-somente e, por muito tempo, absorvemos essa idéia. Que somos uma espécie de "polícia civil" da União, como é a do Distrito Federal.
Essa noção, graças a Deus, já começa a desmoronar exatamente quando definimos que queremos a "extinção do IPL". Coisa que há pouco tempo era impossível de se imaginar e tínhamos resistência até mesmo entre agentes e escrivães (não que ainda não temos), mas hoje já percebemos que a "juridicidade" dada à investigação no Brasil não pode persistir, sendo até mesma colidente com o principio constitucional do contraditório na persecução criminal, isto posto em recentes julgados e orientações do STF e CNJ no direcionamento das garantias constitucionais.
Mais ainda: reforça essa noção de que não somos apenas uma "polícia judiciária", como o é as polícias civis, quando o espaço deixado por nós nas atribuições inerentes às atividades da Polícia Federal de polícia administrativa, são retratadas nas "operações" policiais inadequadas e apoderadas pela Polícia Rodoviária Federal (que tem função originária no policiamento de trânsito das rodovias federais). Começamos a ter noção de "ciclo completo de polícia", recentemente vindo à baila durante a 1ª Conseg – Conferência Nacional de Segurança Pública, realizada de 27 a 31 de agosto do corrente ano.
Quanto ao modelo que buscamos e que gera desencontros no nosso meio de policiais não-delegados, existe tão somente por sermos ignorantes (no sentido de ignoramos mesmo, por desconhecimento da matéria) e não estudarmos a fundo modelos de polícia e de persecuções criminais e quais os avanços e sistemas modernos existentes.
Essa assertiva é tão patente que, antes da 1ª Conseg, pouquíssimos policiais conheciam ou tinham ouvido a expressão "ciclo completo de polícia". Nem mesmo os indigitados gestores da Polícia Federal. Entender o significado da expressão, impossível!
Fato inusitado até, e que demonstra a propalada ignorância nossa, especialmente dos ditos "dirigentes" de última hora e juristas de qualquer hora, quando o assunto é a ciência policial, por ser o tema parte do primeiro programa de governo do então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva. E, mais ainda, por ter sido uma das diretrizes mais votadas na referida Conferência: "estruturar os órgãos policiais federais e estaduais para que atuem em ciclo completo de polícia". Enquanto já era do conhecimento de cientistas sociais e estudiosos do assunto, era totalmente desconhecido dos "doutores" da polícia federal.
No debate do modelo que deve ser estruturada a Polícia Federal, devemos ter em mente a atividade da ação policial como um todo. Em sua plenitude. Tanto na área de policiamento preventivo/ostensivo como de investigação prévia, que é apenas uma pesquisa da ocorrência acontecida ou um levantamento antecipado da incidência criminal, apurando-se fatos ocorridos, suspeitos de práticas delituosas e utilização da inteligência (informação) policial para prevenção e repressão do crime prestes a acontecer ou ocorrido. E a formalização da culpa, que é o viés jurídico da investigação que hoje no Brasil está inserida no inquérito policial, como ainda é previsto na legislação processual penal e infraconstitucional.
No entanto, entendemos que qualquer iniciativa de acusar formalmente o suspeito, por meio de procedimento pré-processual (inquérito) ou processual (instrução criminal), deveria ser efetuada pelo Ministério Público ou pela justiça criminal.
Investigação policial é diferente de qualquer ato que formalize a culpa, como indiciamento, nota de culpa, compromisso formal de testemunhas sob as penas da lei, oitivas, inquirição, qualificação e interrogatório etc, que são atos próprios de formalização jurídica da investigação e devem ser presididos fora do ambiente policial. Com direito ao contraditório e garantias constitucionais.
Todo esse aspecto é maior quando se trata da Polícia Federal, já que constitucionalmente não detém – apenas - a função de "polícia judiciária".
Por isso, a participação da área jurídica nestes debates, envolvendo o Ministério Público (MP) e o Judiciário, que são destinatários do resultado direto do trabalho policial.
O juizado de instrução, por exemplo, já está em franco desuso. A tendência moderna é o MP absorver a fase pré-processual (inquérito criminal, e não a investigação propriamente dita) sob a observância de um "juiz de garantias".
Devíamos todos estudar o resultado da pesquisa acadêmica encomendada pela FENAPEF à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É tarefa obrigatória mínima para todo o sindicalista da Polícia Federal e um "dever de casa" para todo policial federal.
A Comissão de Reforma do CPP do Senado, da qual estamos alijados da discussão, caminha nessa direção. Mais por desenvolvimento natural e evolutivo do processo penal brasileiro, do que por vontade própria dos delegados de polícia lá representados. No entanto, eles, delegados, buscam abrir passagem e brechas para mais prerrogativas exclusivas de seu cargo nessa nova concepção. O que é um contra-senso, já que se entendem "juristas" da esfera policial.
Em relação à "reestruturação da carreira policial federal" (prefiro entender que seria a "estruturação" já que nunca foi de fato estruturada, no máximo, foi mal organizada), temos que marchar no sentido de estruturá-la, visando adequá-la ao enfoque próprio do legislador constituinte originário. Vale repetir: em que se considere a Polícia Federal na sua plenitude constitucional de polícia administrativa e de investigação, ou seja, de ciclo completo de polícia, assunto tão desconhecido para nosso público quanto mal interpretado, mormente por aqueles que entendem que somos apenas uma polícia "judiciária" e defendem que o "produto final" do nosso trabalho seja o inquérito policial.
Percebamos, ainda, que em qualquer tentativa de estruturação da carreira policial federal, por ser sui generis no Brasil, tem que ser totalmente diferente das carreiras das outras polícias, seja de âmbito federal ou estadual. Ou seja, tem de ser uma estrutura diferente, por exemplo, da Polícia Rodoviária Federal e diferente da Polícia Civil do DF.
Resta-nos compreender esse aspecto e característica da nossa Polícia Federal, que não interessa aos delegados da PF (porque lhes tirará poder e importância de seus cargos, porquanto desenvolverá a outra função de polícia administrativa) e que sempre foi uma atividade – a de polícia administrativa – relegada por eles e que agora, percebendo o argumento existente, buscam (quando não minimizá-la) inseri-la como "prerrogativa" deles chefiar uma tropa de federais operacionais e tecnicamente policiais. Assunto tão adverso das ciências jurídicas como o é o viés jurídico da investigação policial, representado pelo modelo adotado no Brasil através do inquérito policial, da ciência policial.
Diante dessa realidade, que desde muito tempo, até mesmo no mandamento constitucional anterior era uma característica nossa, devemos discutir essa faceta e análise de forma textual e levar ao conhecimento político e governamental (ao governo particularmente interessa essa ponto de vista de ciclo completo polícia adotado na Constituição Federal de 1988, em relação à Polícia Federal) para programarmos uma política sindical visando uma profunda transformação no modelo de polícia brasileiro, a começar por nós.
Esqueçamos Polícia Civil, PRF, peritos e delegados...
Partamos pra cima com uma nova postura e com fundamento na própria Constituição brasileira. E exijamos uma estruturação dos cargos de agente, escrivão e papiloscopista unificados num cargo policial, por meio de uma lei orgânica condizente com as competências constitucionais da Polícia Federal, na esfera de polícia administrativa com novo paradigma de policiamento federal e de investigação prévia, onde fomos forjados.
Nesse aspecto, devemos construir uma carreira sólida, com atribuições novas de direção e fora da esfera "jurídica" da investigação, já que a Constituição Federal/88,faz alusão apenas às polícias civis, que serão "dirigidas" por delegado de polícia, não sendo referência para as polícias Rodoviária Federal e Federal. E faz sentido, já que aquela exerce função unicamente de policia judiciária, enquanto estas exercem função de polícia administrativa no patrulhamento das rodovias; e de polícia administrativa preventiva e judiciária da União, respectivamente.
Um cargo único resultante dos três cargos policiais operacionais, com perspectivas de crescimento e que se desenvolva desde o patrulhamento ostensivo até a área de investigação prévia, de inteligência e de direção (gerenciamento/gestão) dessa atividade dentro da Polícia Federal, deve ser considerado como um avanço para uma nova política de segurança, inclusive prenunciada na 1ª Conseg, como já dito.
Entendemos salutar que um novo Conapef – Congresso Nacional dos Policiais Federais venha ao encontro de nova percepção da atribuição, competência e da vocação originária da Polícia Federal, como uma polícia de vanguarda voltada para a prevenção e repressão ao crime fronteiriço, ao contrabando e descaminho, ao crime de tráfico de drogas, ao policiamento marítimo e aeroportuário, etc.
Atribuições relegadas por aqueles que entendem pertencer a uma hipotética carreira jurídica dentro da carreira policial, em detrimento de um melhor serviço prestado à sociedade brasileira, e usurpada diariamente por instituições policiais com finalidade constitucional diversa, como as de policiamento de trânsito rodoviário federal, que se aproveitam do vácuo deixado por nós, tem sido um prejuízo inestimável para o erário e para a população brasileira.
O debate é enriquecedor e devemos construí-lo em cima de uma argumentação forte, consistente e lógica, dentro da realidade constitucional do nosso ordenamento jurídico e coerente com os melhores procedimentos e políticas dos sistemas envolvidos, tais como os setores que possam ser nossos aliados e do contribuinte, como o Ministério Público, a magistratura, políticos e governo.
Por fim, creio que devamos nos mobilizar, sim, com um discurso único, da nossa categoria, independente dos setores correlatos das polícias civis e das polícias administrativas, estaduais e federais, assim como um discurso diferente do que defendem delegados e peritos federais.
E mais: mostrar aos atuais governantes e eventualmente aos futuros um projeto político para a Polícia Federal pioneiro, inovador e dentro das atribuições constitucionais da Polícia Federal, pelo bem da democracia, pelo bem do Brasil!
Tércio Fagundes Caldas é vice-presidente do SINPEF/PB.
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