Por Cláudio Avelar
Com satisfação percebo que apesar da demora, a sociedade começa a conhecer mais de perto a intimidade da maior falácia do sistema criminal – o famigerado inquérito policial. Peça meramente informativa, mas que na verdade não informa.
Falta de objetividade com sobra de burocracia, favorecimentos ideológicos, além de infindáveis pedidos de renovações dos prazos que apesar de atendidos, nunca são suficientes para resolução da dúvida investigatória, fazendo apenas com que a persecução criminal fique cada vez mais engessada.
Como pode? Uma peça que veio ao mundo jurídico apenas para servir de informação, mas que na verdade não informa, serve então para quê? -Para intimidar? Não seria possível, pois vivemos em um sistema democrático. – Para manter o poder da polícia nas mãos do Delegado? Não tem lógica, estamos no século XXI. - Apesar de ser dispensável, ainda é mantido em nosso sistema processual penal? – Só pode ser para favorecer alguém, quem sabe a morosidade que só afasta o cidadão da justiça igualitária?
Respostas difíceis, porém óbvias em um regime que não foi feito para funcionar. Onde a lei de Gérson é a única que funciona: - “Gosto de levar vantagem em tudo, certo”? Por que será que escondem os índices catastróficos desse catastrófico e pernicioso modelo de investigação policial?
Pasmem, mas aproximadamente 85% dos inquéritos policiais são arquivados sem indicar autoria e materialidade, ou seja, não mostram o que aconteceu e muito menos quem cometeu o crime. Absurdo para um sistema inquisitorial. Isso mesmo! Os inquéritos seguem o modelo dos Tribunais da Santa Inquisição – aqueles que queimavam mulheres honestas alegando, mesmo sem provas que eram bruxas e esquartejavam sábios e filósofos, apenas por discordarem das tradições da Santa Igreja.
O Inquérito foi trazido de Portugal na época da colônia, para fundamentar as bases investigativas da polícia e devemos lembrar ainda que nosso antigo reino, sabiamente aboliu essa peça de seu sistema há muitos anos. Aliás, a polícia brasileira está copiando o mesmo modelo, já abolido em todo o mundo e que existe somente dessa forma em três países, que não são modelos razoáveis de democracia, muito pelo contrário: Angola, Moçambique e Timor Leste.
Se aquele que trouxe para nossa realidade percebeu que no mundo moderno não cabe mais. Se todos os países do mundo não mais o utilizam, por conta dos atrasos inerentes de sua implementação, podemos fazer uma óbvia pergunta: Por quê não copiamos o exemplo da Inglaterra, Espanha, Estados Unidos, Japão, Israel, Alemanha, França ou qualquer civilização desenvolvida e seguimos um molde criado apenas para manter poder pelo poder e a fim de simplesmente evitar que se modifiquem essa relação protecionista e praticamente feudal.
Lembremos-nos que a polícia na era medieval foi criada para evitar que os pobres e famintos peões se apoderassem do patrimônio dos ricos. Então o Rei nomeava um nobre, ou pelo menos, um servo fiel para um cargo de poder e a ele era permitido o “poder delegado de polícia”. Nessa seqüência de nomeações e para que esse delegado ou xerife, gordo e puxa-saco, tivesse fortes braços operacionais, eram nomeados soldados, homens pobres, porém corajosos e que em troca de algumas moedas, estariam dispostos a matar e morrer pelo seu senhor.
A história atropelou essa relação sistêmica e aqueles peões de ontem, são hoje bacharéis, mestres e doutores, que pensam antes de matar e não se sujeitam a morrer apenas pela fidelidade patriarcal.
Enquanto isso, esses xerifes de ontem, ainda pensam que o tempo não passou e querem obrigar aqueles, que não são mais peões a cumprirem cegamente suas ordens e usando e abusando do poder delegado de polícia e do valor acusador e poderoso do inquérito policial.
Hoje os próprios policiais, mais conscientes do que nunca, iniciam uma campanha pró-sociedade, mostrando que as peripécias dos procedimentos daqueles xerifes estão com os dias contados, pois além dos clamores sociais pela eficiência da investigação, por não mais aceitarem o modelo antigo, buscam a eficiência em detrimento dos favores inquisitoriais.
Lembro-me um triste fato ocorrido anos atrás em São Paulo, quando um casal de descendentes de japoneses, proprietários de uma escola para crianças, foram acusados de pedofilia. A polícia através das investigações dentro do Inquérito policial, concluiu que eram culpados, indiciando-os em vários artigos do código penal. A imprensa por sua vez, com o dever de informar, mostrou ao mundo o que a polícia concluíra.
Com o passar do tempo, ficou provado que tudo não passara de uma fantasia infantil, com um desagradável pedido de desculpas pelo mal entendido, porém a vida daquele casal estava definitivamente marcada pela injustiça da atualíssima Santa Inquisição, transfigurada pelo inquérito policial.
Os policiais federais de Brasília iniciaram a jornada de buscar a demonstração da ineficiência do sistema ainda adotado no Brasil, com a realização de um Seminário Jurídico em parceria com a OAB e Associações dos Magistrados, Promotores de Justiça e Procuradores da República. A organização que foi dos federais se eximiu de palestrar, mas trouxe as falas, juízes, advogados e membros do ministério público, contando com palestrantes de renome que mostraram em verso e prosa, os problemas, porém apontando as soluções.
De forma inédita, esse Seminário resultou em uma carta de intenções, encaminhada a uma série de autoridades, inclusive ao Presidente da República, ministros e todos os parlamentares. Em breve a sociedade poderá contar com um sistema mais moderno. O inquérito pode até ser extinto que não fará falta, mas enquanto isso não acontece, o cidadão contará com mudanças evolutivas e modernizadoras.
O Deputado Federal José Santana do PR mineiro acaba de encaminhar o projeto de Lei 5508/2009, que atende integralmente a sugestão dos federais, que de forma inédita contou com a parceria ao mesmo tempo, dos magistrados, advogados e ministério público. Assim, em breve a sociedade poderá ver implementado, um sistema eficiente, democrático e que impeça que pessoas sejam investigadas indefinidamente, além de evitar que a polícia indicie e promova julgamentos parciais.
As atribuições devem ser muito bem definidas: a polícia investiga e apresenta ao ministério público provas técnicas e objetivas, que oferecerá a denúncia caso esteja convencido da ocorrência do crime. Por fim, o juiz aceitando a denúncia do promotor, promoverá o julgamento, garantindo o real cumprimento do ciclo do direito.
Luís Cláudio da Costa Avelar
É carioca, ingressou na Polícia Federal em 1984 e sua primeira lotação foi em Naviraí/MS, onde permaneceu até 1989. Depois foi para Juiz de Fora/MG, onde esteve até 1993, SR/DF até 1997 e atualmente está lotado na CGPRE no Ed. Sede. Bacharel em Direito e Administração. Com especialização em Direito Público, Avelar sempre atuou na área operacional, principalmente na repressão ao tráfico de entorpecentes. Eleito para Presidência do sindicato em 2004 e reeleito em 2007 para o segundo mandato, fica à frente do Sindipol/DF até 2010.
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