Em vez de ensinar a investigar, mediar conflitos, preservar o local do crime ou proteger cidadãos, as academias de polícia do Brasil privilegiam o uso da força física e das armas, conclui um dos mais completos estudos já realizados sobre o tema, em 15 países, coordenado pelo sociólogo brasileiro José Vicente Tavares dos Santos. Segundo a pesquisa, no Brasil acabam sendo formados agentes de repressão, e não de segurança pública. Financiados pelos estados da federação, esses treinamentos investem em técnicas arcaicas, com currículos muitas vezes sigilosos.
Santos, que é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade de Coimbra, visitou 20 instituições brasileiras. O especialista participa da produção de uma matriz curricular proposta pela Secretaria Nacional da Segurança Pública. A análise que ele faz das instituições é incisiva:
- De modo geral, as escolas privilegiam a força física, o uso de viaturas e de armas. Atira melhor quem atinge o coração ou a cabeça do "alvo". O que há é um grande arcaísmo pedagógico. Estão muito longe da tecnologia, da modernidade. Não há quadros docentes suficientes. Vejo militares aposentados ensinando e impedindo avanços. Fazem segredo até de coisas banais, mesmo se tratando de dinheiro público - avalia.
Escolas da PM imitam as das Forças Armadas
Para Santos, a chamada "ordem-unida", que domina os currículos das escolas da PM, é um simulacro da estética das Forças Armadas, desnecessária para a execução concreta do trabalho policial, que é o de prestar serviços ao cidadão.
- As polícias do Brasil são como um espelho deformado das Forças Armadas. É preciso introduzir o saber da modernidade crítica nessas escolas, ou estaremos jogando fora o dinheiro público. E a cada dia teremos mais mortes de reféns ou por balas perdidas com dinheiro público - afirma.
O secretário Nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, concorda com esse diagnóstico. Segundo Balestreri, o atual modelo de funcionamento e treinamento das polícias civil e militar do país guarda resquícios da ditadura. Em sua opinião, essas corporações não se adequaram à vida democrática. No seu entendimento, a polícia está longe da comunidade. Balestreri lamenta a média anual de 45 mil homicídios no Brasil.
- Temos duas meias polícias. Uma estrutura inadequada para a democracia. Uma esquizofrenia. Não fazem o ciclo completo. Cada uma faz uma parte e fica dependente da outra. Nenhum país civilizado do mundo é assim - disse Balestreri.
Indicadores de violência não são confiáveis, diz secretário
Enfatizadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como uma das cinco prioridades de seu governo no segundo mandato, as ações na área de segurança pública ainda não resultaram em redução da violência. Para o secretário, para haver mudanças, as polícias precisam ser "profundamente reformuladas".
- Os policiais estão longe da comunidade a que deveriam estar dando proteção, e substituem a investigação por atividades burocráticas. O sistema é anacrônico. Na ditadura, o Estado sequestrou as polícias, e precisa devolvê-las à sociedade.
Balestreri combate o crime sem poder confiar nas informações de que dispõe. Ele admite que há um problema de produção de indicadores confiáveis da violência. Para ele, levantamentos a partir de boletins de ocorrência, feitos na delegacia, não têm rigor científico. Segundo ele, é necessário cruzar informações com o Ministério da Saúde, que contabiliza as vítimas, com o registro dos 45 mil homicídios por ano.
- Esse dado é real e perverso. Seguramente o Brasil, com 45 mil homicídios anuais, é um dos países em pior situação do mundo - disse Balestreri.
O governo, diz o secretário, tem feito sua parte, mas ele admite que os resultados não aparecem a curto prazo. Balestreri diz que está otimista e argumenta que cerca de 180 mil policiais, guardas municipais e bombeiros já participam de cursos técnicos e de formação humanística organizados por sua secretaria. Outros cinco mil cursam pós-graduação na área:
- Por mais que tenha equipamento, não há instituição que funcione bem sem o capital humano qualificado.
Fonte: O Globo
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