“A burocracia continua defendendo o status quo, muito depois de o quo ter perdido o status.” (Laurence J. Peter)
O sr. Roberto Guerra, do blog Flit Paralisante, não gostou do meu artigo sobre o inquérito policial. Não gostou e ponto. Como não tinha nada a ponderar sobre o tema, encheu-se de bílis e fuçou na internet outro artigo de minha autoria para ridicularizar, na tentativa desesperada de dar vazão aos excessos de seu fluido hepático. Veja seus comentários, em vermelho, clicando aqui.
Afirmou que o meu texto Psicologia das Algemas não passa de um embrulho de mentiras e falsa cultura. Na sua maledicência, fez insinuações desairosas sobre minha vocação policial, colocando-me na vala comum dos que “por falta de melhor opção, ingressaram nas forças policiais”. Observe bem: “por falta de MELHOR opção”. É provável que considere o ingresso nas forças policiais uma péssima opção, senão teria dito “na falta de OUTRA opção”. Não vou comentar esse ato-falho que denuncia todo apreço que ele tem ao trabalho policial, até porque vem de um sujeito que não me conhece e que nunca vi mais gordo. Eu poderia até dizer que essa condição se aplica precisamente a sua pessoa, afinal, um sujeito realizado na profissão e com vocação para a atividade policial até admite que haja outras opções no mercado de trabalho, mas nunca as considerará melhores do que aquela que abraçou (a despeito d a remuneração irrisória). Portanto, vamos perdoá-lo por tamanha indiscrição... Talvez esteja passando por momentos difíceis, de intensa insatisfação profissional, coisa, aliás, tratável em qualquer consultório psicológico. Confesso que até admiro o Sr. Guerra pela coragem com que enfrentou as facções criminosas de São Paulo, por seu destemor em externar suas opiniões políticas, porém não posso aceitar essas injustas críticas que me faz.
Causa admiração que todos aqueles que advogam a extinção do inquérito policial sejam tomados como inimigos dos delegados, conforme pensa meu crítico. Esse ciúme com o inquérito parece fazer dele um último refúgio, uma espécie de “tábua de salvação” sem a qual os delegados ficariam batendo cabeça pelos corredores das delegacias, sem ter o que fazer. Nunca achei que as coisas funcionassem dessa forma. Conheço inúmeros delegados competentes e vocacionados, que se destacam pela liderança, pela inteligência, pela operacionalidade ou perspicácia investigativa. É possível que até concordem com minhas opiniões, pois querem estar livres das montanhas de papel. Mas o sr. Guerra se aferra ao inquérito como se dele dependesse sua sobrevivência. Difícil entender essa posição num policial tão atuante e de notória operacionalidade. Não lhe ocorre, contudo, que alguém possa ser contra o inquérito simplesmente porque vislumbra algo que vai além de quaisquer ambições carreiristas.
Além do mais, me atribui intenções dissimuladas, dizendo que defendo o uso de algemas como “merecida forma de pena antecipada para determinados criminosos”. Determinados criminosos? Se tivesse interpretado o meu texto usando o cérebro e não o fígado, veria que em nenhum momento afirmei que as algemas representam punição ou castigos infamantes. Quem pensa assim são os sequiosos defensores da Súmula 11, que se comovem piedosamente com as “poses de dignidade ofendida” de magnatas inescrupulosos. Diferente disso, afirmei que as algemas são um instrumento de contenção que visa exclusivamente à segurança do policial, do preso e de terceiros. Como todo procedimento de segurança, deve ser adotado de forma padronizada, democrática e sem discriminações de qualquer espécie. Ou será que os policiais devem, por exemplo, fazer abordagens por meio de procedimentos variados, de acordo com a cara, a roupa, a renda familiar ou o carro do cidadão? A doutrina universal (leia-se “melhores práticas”) ensina a fazer abordagens seguindo rigorosamente as técnicas de segurança pré-estabelecidas, sem sofrer contaminações por aquilo que os anglo-saxões chamam de profiling. Presumo que sr. Guerra tenha cabulado essa aula.
Ao colocar no mesmo saco o uso da arma de fogo e das algemas, o meu crítico dá mostras de que entende tanto de tática e equipamentos policiais quanto um pastor da igreja adventista. Mas a gente sabe que não se trata disso. O policial Guerra é, repito, reconhecido e respeitado por ser combativo e operacional. Mas, nesse caso específico, ele não pode conter o ímpeto de me sapecar uma crítica gratuita. Todos sabem que a arma de fogo é o último estágio no “uso progressivo da força”, e que, ao sofrer o disparo, não terá mais o objetivo de prevenir um mal, mas de remediá-lo. Enquanto as algemas são, essencialmente, um instrumento de prevenção. A arma de fogo, por outro lado, é utilizada frente a uma ameaça grave e iminente, de caráter objetivo e inquestionável. As algemas, por sua vez, são utilizadas até quando a ameaça é apenas hipotética e subjetiva, precisamente para que o risco não se torne efetivo e faça do uso da arma de fogo uma necessidade. De todos os males, o menor, nos ensina a Ética. Não é possível que meu crítico não saiba disso. Ele só pode estar se fazendo de bobo.
O meu detrator prossegue dando exortações acacianas a respeito do uso de algemas e apontando ocasiões em que este instrumento deve ser utilizado. De forma simplória, acha que exauriu ali todos os casos possíveis. Entretanto, irei ventilar-lhe a cabeça com uma situação hipotética. Digamos, pois, que Tício encontra-se submisso no momento em que se lhe dá voz de prisão; que não é autor de crime violento; que não é foragido; mas, lá no fundo de sua mente perturbada, abriga pensamentos mórbidos acerca da vida, da polícia, do policial, da sogra, ou do que quer que seja, e, num dado momento, durante sua condução, esse indivíduo resolve reagir intempestivamente, movido por uma compulsão violenta e irrefreável. Estando o dito cujo sem algemas, responda-me: o que iremos fazer? Chamaremos o Chapolin Colorado?
Vamos à outra hipótese. Um cidadão que houvesse cometido crime violento no passado, mas que estivesse mostrando submissão aos policiais pelo crime “leve” pelo qual se encontra detido atualmente, deveríamos ou não usar as algemas? Deveria o menor potencial ofensivo de seu crime isentá-lo das algemas, ou o crime violento do passado prevalece, condenando-o ad eternum ao uso “infamante” instrumento? Ou ainda: desconsiderando os crimes cometidos outrora, o seu comportamento aparentemente dócil deve poupá-lo da “indignidade” das pulseiras de aço? Como o policial irá decidir essas coisas? Teremos que trazer à tira-colo o sr. Guerra ou o dr. Polomba sempre que houver uma dúvida desse tipo para sanar?
Ninguém pode ser preso por mera suspeita, afirma o criticastro. Nada mais óbvio. Porém, ao ser preso, deve ser algemado, sim, ainda que diante de uma remotíssima suspeita de reação, suicídio ou fuga, pois, mesmo que a probabilidade seja ínfima, ela deve ser considerada e evitada com toda prudência. É assim que devem ser os procedimentos policiais: adotados com base na razão e na cautela. Tudo o mais será produto do preconceito, da adivinhação ou do puro palpite leigo. Será preciso uma vida ser ceifada para que essa Súmula 11 vá para o lixo das causas perdidas? A experiência é uma escola muito cara – dizia Benjamin Franklin – mas é só nela que os tolos aprendem.
* Luciano Porciuncula Garrido é Psicólogo, Policial e Especialista em Segurança Pública. E-mail: garrido1974@ gmail.com
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